A Odisseia de Henri Cabannes, 1943-1945


I. A evasão de França para Espanha
     1. A preparação da partida
     2. A travessia dos Pirinéus
     3. A travessia de Espanha
     4. A partida de Marrocos

II. O alistamente na Força Aérea
     5. Casablanca e Alger
     6. Marrakech
     7. Grã-Bretanha


I. A evasão de França para Espanha

1. A preparação da partida


No mês de Outubro de 1942, entrei para a Escola Normal Superior depois de ter desistido pela segunda vez da Escola Politécnica. De facto, já tinha sido admitido uma primeira vez na Escola Politécnica em 1941, dado que era aluno de matemática numa turma especial preparatória no liceu Saint-Louis, em Paris. A 16 de Fevereiro de 1943, a Rádio Nacional anunciou a instituicão do Servico de ‘Trabalho Obrigatório, o S.T.O.. Os jovens nascidos em 1920, 1921 e 1922, foram chamados, para partirem para a Alemanha para continuarem o resgate de prisioneiros em troca de trabalho (a Relève). Paralelamente iniciou-se o recenseamento geral  dos jovens de 21 a 31 anos. No mesmo dia à noite, com a prontidão agora habitual, a réplica chegou de Londres: “não ao recenseamento”! A fuga ao recenseamento teve uma amplitude extraordinária. A campanha dos franceses de Londres contra o S.T.O. ultrapassou a todos os respeitos as campanhas radiofónicas anteriores. “Se queres encurtar a guerra, não trabalhes para Hitler”! No 1ro de Agosto de 1943, a lista de refractários conta com 85 mil nomes. Tendo nascido em 1923, eu não era concernido, mas decidi interromper os meus estudos na Escola Normal e tentar juntar-me à Inglaterra ou à África do Norte.

Em Agosto de 1943, tendo passado, no mês anterior, os certificados de Física Geral, de Calculo Diferencial, e de Analíse Superior, parti para fazer serviço rural no departamento de Hautes-Pyreneés, em Bernadets-Debat, na casa dos meus primos que exploravam uma quinta. Fiquei surpreendido ao saber, que os três jovens desta aldeia,  convocados pelo S.T.O. tinham partido para a Alemanha, dado que a fronteira com a Espanha se encontrava a 70 Km. Em Tarbes visitei o senhor Denis Prunet, amigo de meus pais; tendo tomado conhecimento do meu desejo de me juntar à África do Norte, propôs-me de me por em contacto com um grupo para atravessar, clandestinamente, a fronteira franco-espanhola; só teria que ir para sua casa, onde ele me alojaria enquanto esperasse a partida de Tarbes. Regressei a Paris, passando por Marselha, para visitar a minha avó paterna, que criticou violentamente o meu projecto, o qual teria como consequência a prisão do meu pai, que era professor de Física na Faculdade de Ciências na Universidade de Paris. Fiquei também alguns dias em Var, no Lecque, onde os meus pais possuiam uma casa de campo; a aldeia de Lecques está situada na Costa entre Marselha e Toulon. Sem intencão precisa, observei as diversas instalações sobre a praia e as casas da beira mar, instalações destinadas a atrapalhar um eventual desembarcamento.

De regresso a Paris, soube que dois alunos da Escola Politécnica, Fontanet e Baylé, colegas do meu irmão mais velho, desejavam encontrar um grupo que lhes permitisse partir para Espanha; tal investigação era evidentemente muito díficil e eu tinha a sorte de a conhecer. Depois da sua saída da Escola Politécnica, Fontanet foi a Lourdes para tomar contacto com uma rede que lhe tinha sido indicada, mas esta tendo sido “queimada”, já não funcionava, e ele voltou a Paris para se juntar provisoriamente ao escritório de estudos de Caudron-Renault, que trabalhava para as fábricas Messerschmitt d’ Augsburg. A Escola Politécnica tinha aí colocado alguns alunos a titulo do S.T.O. . Aí reencontrou o seu colega de promoção, Baylé; alguns estudantes da area científica trabalhavam igualmente neste escritório de estudos a título do S.T.O.. Logo que Fontanet e Baylé souberam, por intermédio do meu irmão mais velho, que eu conhecia um grupo e que, não desejando partir só , procurava companheiros de evasão, decidimos partir os três juntos. Nos últimos dias do mês de Setembro fui com o meu pai visitar Georges Bruhat, director-adjunto da Escola Normal, para o informar da minha partida, para que não me procurassem; foi convencionado que eu estava em descanso no meio da França, e o senhor Bruhat desejou-me boa sorte; nunca mais o vi pois ele foi deportado para Buchenwald e morreu em Sachenhausen. A 4 de Outubro (1943) Fontanet e Baylé desapareceram então do seu escritório de estudos, e partimos os três juntos da Gare d’Austerlitz, no comboio de noite para Toulouse.

Em Vierzon, a meio da noite, o soldado alemão que controlava os passageiros do comboio, diz-me, em alemão, que eu devia sair porque o meu bilhete de identidade não tinha o carimbo adequado! Então saí e passei o resto da noite num vagão vazio que se encontrava numa linha de garagem. No dia seguinte fui a Kommandantur de Vierzon onde o carimbo adequado foi posto no meu bilhete  de identidade! Voltei à estação e esperei o comboio seguinte para Toulouse, onde cheguei a 5 de Outubro por volta das 20 horas. Perante a dificuldade e o risco que representava o pedido de um quarto num hotel, fui a casa dos parentes do meu colega Jean Combes: 80, rue do Taur. Tinha aprendido de cor (porque era necessário não possuir comigo nenhum documento escrito que pudesse ser comprometedor) um certo número de endereços em Toulouse, Tarbes, Madrid, Casablanca, Alger e Brazzaville. Jean Combes e os seus pais  viram-me chegar como um ser caído do céu e albergaram-me durante a noite. No dia seguinte, retomei o comboio para Tarbes; cheguei lá durante a tarde e fui a casa do senhor Prunet. Foi convencionado que ele me alojaria durante a noite e me daria o pequeno-almoço, mas que eu devia passar todo o dia fora e aí tomar as refeições. No dia anterior ele tinha recebido a visita de Fontanet e Baylé; eles estavam alojados, até a partida para Epanha, em condições análogas, na casa de um corajoso jovem casal, amigo de uma irmã de Baylé. No dia seguinte Fontanet, Baylé e eu  pudemos reencontar-nos e decidimos que a cada dia, dois de nós passariam o dia fora juntos, ficando só o terceiro; parecia imprudente  que três rapazes de 20 anos errassem durante vários dias pelas ruas de Tarbes. Cada um na nossa vez, erramos então sós, não apenas no centro de Tarbes, mas também na periferia. Só uma vez fomos os três juntos a Lourdes. Nunca mais encontramos os organisadores do grupo, que nos fizeram saber que nos deviamos encontrar na estação de Tarbes na sexta-feira, 15 de Outubro (1943), levando como única bagagem uma mochila com víveres para alguns dias. Nesse mesmo dia, enviei aos meus pais, a Paris, a minha mala com as minhas coisas que se tornaram inutéis.



2. A travessia dos Pirinéus

Chegados separadamente à estação de Tarbes à hora combinada, duas pessoas, provavelmente, responsáveis do grupo, pediram-nos que lhes entregassemos o dinheiro convencionado: 3 mil francos cada um (um investigador iniciante no CNRS recebia na altura 2 mil francos por mês). O comboio, um omnibus para Bagneres-de-Bigorre, estava na estação; era um comboio no qual os vagões de terceira classe eram formados por compartimentos separados tendo cada um duas portinholas, uma de cada lado. Eles abriram uma das portinholas e disseram-nos, a Fontenet, Baylé e a mim para entrarmos para o compartimento que eles acabavam de abrir. As lâmpadas do tecto estavam partidas mas distinguiamos com esforço uma ou duas outras pessoas sentadas igualmente no compartimento. Na paragem de Pouzac, a última antes de Bagneres-de-Bigorre, um dos passageiros do compartimento abriu a portinhola que dava para a linha e mandou-nos sair, o que nós fizemos. O comboio partiu, e nós encontravamo-nos como os novos candidatos à evasão pelos Pirinéus, mais dois (ou três) guias.

Em Bagnères-de-Bigorre começava a zona interdita, onde ninguém se podia encontrar sem autorização dos alemães. Nós fizemo-nos imediatamente à estrada através dos campos e pradarias. Passamos por Sainte-Marie-de-Campan e caminhamos toda a noite até ao estreito de Aspin. Os nossos guias deixaram-nos então numa floresta dizendo-nos que outros guias viriam procurar-nos para continuar a caminhar durante a próxima noite. Tentamos então dormir, fora, a 1500 metros de altitude, no mês de outubro. Durante a primeira noite de caminho e o dia de “descanso” na floresta perto do estreito de Aspin travamos conhecimento com os nossos companheiros de evasão. O mais jovem, com 17 anos, era um alsaciano incorporado à força na Wehrmacht; tinha corajosamente “desertado” e queria juntar-se a Marrocos para se alistar na Armada Francesa. Outro acabava de ser admitido ao concurso da Escola de Saint-Cyr; ele errava hà mais de uma semana nos Pirinéus, pensando poder passar para Espanha sozinho com um mapa e uma bussola; desde que soube que Fontanet, Baylé e eu vinhamos da Escola Politécnica ou da Escola Normal, ele sentiu-se seguro, mas estava já esgotado; por outro lado ele estava exageradamente equipado: maleta, outro par de sapatos ,....enquanto que nós os três, com os conselhos dos organisadores do grupo, não tinhamos que uma pequena mochila com víveres para alguns dias. Não guardei que uma pequena lembrança pouco precisa dos outros quatro companheiros de evasão.

Na tarde de 16 de Outubro, os novos guias chegaram e conduziram-nos, depois de apenas algumas horas de caminho, a uma granja onde passamos  o resto da noite assim como o dia de domingo 17 de Outubro, naturalmente no mais profundo silêncio e sem sair. Ainda na tarde de domingo, chegaram os novos guias; a passagem mais  acidentada foi, na aldeia Vielle-Aure, a travessia de uma ponte para passar para a outra encosta do vale. Soldados alemães encontravam-se sentados num café da aldeia. Então nós atravessamos a ponte um a um, cada vez sobre o sinal de um dos guias, que era talvez um habitante da aldeia. De seguida, esperamos numa pedreira na qual, até as cinco horas da madrugada, “descansamos”. Então chegaram os novos guias e caminhamos, desta vez por um caminho ao lado da montanha, na encosta Este do vale, até uma zona abaixo do hospício de Rioumajou, onde a neve começava a cobrir todo o caminho.

Era segunda-feira 18 de Outubro,; eram 11 horas e os nossos guias mostraram-nos o Port du Plan ( a 2457 metros de altitude) atrás do qual se encontrava a Espanha; eles disseram-nos que estariamos lá em meia-hora e desejaram-nos um bom fim de “viajem”. Pusemo-nos a subir com esforço a montanha na neve, primeiro até à barriga da perna, de seguida, até aos joelhos. Às 14 horas, o estreito estava ainda em vista mas aproximava-se cada vez mais lentamente; às 15 horas, esgotado, abandonei na neve a minha mochila e os víveres que continha; Fontanet e Baylé, mais resistentes que eu, recolheram-os ! Seis de nós continuamos, os outros três, no limite das forças, decidiram voltar a descer até ao vale. Às 16 horas, chegamos ao Port du Plan, a fronteira. Naturalmente, nem os alemães, nem os seus auxiliares franceses, podiam guardar todos os estreitos, em particular os estreitos de tão díficil acesso como o Port du Plan que nós acabavamos de alcançar.



3. A travessia de Espanha

Estavamos em Espanha! Formavamos parte, mas ainda não sabiamos, dos 23000 franceses que conseguiram evadir-se de França para a Espanha! A noite chegava e nós descemos ao vale até que encontramos uma granja, na qual nos instalamos para passar a noite. Como as nossas roupas estavam molhadas pelo longo percurso que fizemos sobre a neve, dormimos todos nus sobre a palha e passamos a primeira noite repousante desde a partida de Tarbes. No dia seguinte, terça-feira, 19 de Outubro, retomamos a descida do vale da Cinquenta; no caminho encontrava-se uma ponte impossível de não atravessar; logo após a ponte, na outra encosta do vale, os guardas civis espanhoís esperavam os jovens franceses, que, nesta época, passavam várias vezes por semana pelos diferentes estreitos das montanhas que se encontravam nos lugares mais altos. Ficamos com estes guardas civis até ao fim do seu serviço, cerca das 16 horas, e descemos com eles até à aldeia do plano, onde se encontrava o seu posto fixo.

Os camponeses da aldeia acolheram-nos calorosamente, dando-nos alguma comida, pão e salsichão, porque não tinhamos mais nada! De seguida os guardas civis encerraram-nos durante a noite no seu edifício, muito modesto, e  disseram-nos que dentro de alguns dias nos conduziriam à cidade mais próxima para que nos encontrasse-mos com o consul! Não tinhamos mais nada, ignoravamos tudo, e eramos incapazes de nos irmos, para onde? Sem nada. Durante o dia eles deixavam-nos livres e os camponeses da aldeia Plan davam-nos de comer; eles pareciam ser muito pobres. No fim de alguns dias, não me lembro a data exacta, partimos, a pé, com os guardas civis, para tomar o carro que nos conduziria à cidade mais próxima, para aí encontrar o consul! Esta cidade, que nós desconheciamos, era a cidade de Barbastro, situada a 106 Km. Após 12 Km de caminho chegamos a Salinas de Sin, onde deviamos esperar o carro que ligava Bielsa a Barbastro. Os guardas pediram-nos dinheiro para pagar o carro. Dissemos que não tinhamos; de facto, nós desejavamos guardar o pouco dinheiro que nos restava.

Eles disseram-nos que, nessas condições, teriamos que ir a Barbastro a pé, o que não nos assustava, visto que já tinhamos caminhado durante várias noites para chegar de Pouzac até à aldeia de Plan. Então partimos de novo a pé até à aldeia seguinte, onde subimos, com os guardas civis, para o autocarro que chegava de Bielsa. Na pequena cidade de Ainsa, o carro demorou-se parado e os guardas levaram-nos a um café no qual o patrão nos deu de comer sem nos cobrar, porque tinhamos muito pouco dinheiro. Parece que para  estes espanhoís, que nos alimentaram durante vários dias, nós eramos hérois. Talvez se dissessem que por irmos combater a Alemanha, também despachariamos Franco, o que era provavelmente um dos seus desejos. Finalmente chegamos a Barbastros cerca das 20 horas e os guardas conduziram-nos a um edifício, um antigo mosteiro, onde entramos com eles. Uma vez a porta fechada, apercebemo-nos que não estavamos na casa do consul, mas na prisão! A nossa ingenuidade tinha sido sem limites, mas não poderiamos, de maneira nenhuma, ter feito de outra forma.

Estavamos na prisão! Registaram-nos, pediram-nos as nossas identificações e fizeram-nos dar-lhes tudo o que tinhamos, quer dizer nada a não ser algum dinheiro francês que nos confiscaram dando-nos mesmo um recebibo, que nunca serviu para o que quer que fosse. De seguida, levaram-nos a uma grande sala, onde já se encontravam cerca de setenta franceses, desde quando? Comprimindo um pouco os outros detidos eles liberaram quatro colchões de palha para nós os seis. Fontanet, Baylé e eu instalamo-nos em dois desses colchões e dormimos assim durante toda a nossa estadia na prisão de Barbastro, estadia que duraria um mês.

Não tinhamos que as roupas com as quais atrvessamos a fronteira, roupas que usamos até 26 de Dezembro, dia no qual, estando em caminho para embarcarmos em Málaga, a Cruz-Vermelha (qual?) em Madrid, nos deu roupas novas. Os que estavam detidos connosco perguntaram-nos novidades da França e da guerra; depois das perguntas que nos tinham feito, pensamos que eles estavam lá hà pelo menos seis meses! O que nos desencorajou terrivelmente. Depois de algumas trocas, e vendo o nosso desencorajamento, eles começaram a rir-se, porque, na época na prisão de Barbastro, a duração da estadia era de cerca de um mês; a cada nova chegada era a mesma brincadeira. No dia seguinte passamos no barbeiro da prisão que nos rapou dos pés à cabeça; às 10 da manhã toda a gente da nossa sala saiu para o pátio da prisão por uma hora; aí encontramos os franceses que estavam noutra sala da prisão. Entre estes outros franceses, Fontanet e Baylé encontraram um dos seus colegas da Escola Politécnica, e eu encontrei Jean Beydon, que tinha sido um colega de liceu do meu irmão mais velho. Jean Beydon preparou-se para a Escola Naval no liceu Saint-Louis; a Escola Naval já não existia, mas o concurso de recrutamento existia e os alunos aceites tinham as aulas na Escola Central de Paris.

A prisão de Barbastro detinha também muitos republicanos espanhoís, detidos hà muitos anos e ainda por muitos anos mais, porque o general Franco esteve no poder até 1975. Os prisioneiros espanhoís não saiam para o pátio ao mesmo tempo que os franceses; de qualquer forma, o pátio não era suficientemente grande para receber todos os detidos. Todos os domingos se celebrava a missa na prisão, que era obrigatória para os espanhoís e facultativa para os franceses, que iam todos, porque era mais uma oportunidade de sair da sala comum. Regularmente chegavam à prisão mais franceses, que acabavam de atravessar a fronteira. Um dia vimos chegar um dos nossos três companheiros que  tinham voltado para trás no dia 18 de Outubro em Port du Plan. Ele explicou-nos que, com um dos outros dois, tinha descido até ao hospício de Rioumajou, e que o outro, cansado, se tinha deitado na neve e morrido; era aquele que tinha sido admitido ao concurso da Escola Saint-Cyr, a qual já não existia, mas para qual existiam aulas preparatórias e um concurso de recrutamento (provavelmente com vista no futuro); ele tinha 21 anos e chamava-se Sapone.

Regularmente o director da prisão vinha ler a lista daqueles que deixavam Barbastro. Ao fim de um mês, Fontanet e Baylé e eu estavamos na lista. Estavamos muito contentes! E partimos amarrados dois a dois com algemas, de comboio até Zaragoza. Chegados à estação de Zaragoza continuamos a pé sempre amarrados dois a dois, pelas ruas que nos levavam à prisão. Tratava-se de uma prisão muito moderna na qual fomos detidos em grupos de cerca de 15, num aposento de cerca de 10 m2; num canto havia uma torneira de água e havia um buraco que servia de sanita. Passadas uma ou duas horas trouxeram-nos colchões de palha, mas era impossível estarmos todos deitados ao mesmo tempo. Este inferno duraria mais três dias, ao fim dos quais partimos de novo, como tinhamos chegado, em comboio até ao campo de concentração de Miranda.

O campo de Miranda, depois do purgatório de Barbastro e do inferno de Zaragoza, pareceu-nos o paraíso. O campo tinha sido construido por Franco, na época da guerra civil, judiciosamente aconselhado por Hitler. Aí cabiam e couberam de facto vários milhares de prisioneiros. Era constítuido por numerosas  barracas de madeira bem alinhadas; 120 a 130 pessoas alojavam-se em cada barraca. O campo era guardado e organisado pelos militares. Era um campo clássico, com muros de arame farpado e miradouros. Era comandado por um coronel que parecia não ter nenhum sentimento francofóbico. Ainda assim, a brutal realidade concentracionária fazia a sua aparição, em particular com a distribuição do material: gamela repugnante de sujidade, colher, colchão de palha e cobertor de trapos cheio de parasitas. Cada barraca era ligada de um lado e do outro por um corredor central pelo qual estas se alinhavam em dois andares de pequenas divisões, que tinham o espaço limitado por “paredes” feitas de velhos cobertores. Uma única lâmpada fornecia uma luz ténue ao corredor. Em cada divisão viviam várias pessoas. Eu instalei-me numa das barracas. Em contrapartida Fontanet e Baylé  saídos da Escola Politécnica, instalaram-se no pavilhão dos oficiais, onde eu os ia visitar.

Numa destas visitas constactei que Jean Rosseau, que tinha conhecido na Escola Saint-Louis e que tinha sido admitido, em 1943, ao concurso de entrada para a Escola Politécnica, estava alojado também no pavilhão dos oficiais. O pavilhão estava sob a responsabilidade do capitão Louis, provavelmente o oficial mais antigo. Eu expliquei, então ao capitão Louis, prisioneiro como nós, que eu também tinha sido admitido na  Escola Politécnica, uma vez em1941 e uma outra em 1942, mas que tinha desistido para entrar na Escola normal, e que pensava ter tantos títulos ou mais que Jean Rosseau, para me alojar no pavilhão dos oficiais. O capitão Louis que também tinha estado em Barbastro e Zaragoza com Fontanet, Baylé e eu, disse-me para ir buscar as minhas coisas, quer dizer quase nada, e para vir, coisa que eu fiz imediatamente. Naturalmente a vida em Miranda era rude e higienicamente deploravel; Miranda está situada sobre o Ebre, a 80 Km a sul de Bilbao, a 460 metros de altura e estavamos no mês de Dezembro. Por isso, no interior do campo eramos livres e podiamos passear todo o dia. Cada quinze dias, a lista de vários centenas de pessoas, talvez milhares, que partiriam no dia seguinte para a liberdade, eram afixadas. A 24 de Dezembro de 1943, Fontanet, Baylé e eu, figuravamos nas listas de partida do dia seguinte. A 25 de Dezembro, atravessamos a porta e convertemo-nos em homens livres em Espanha.



4. A partida de Marrocos

À nossa saida do campo de Miranda, fomos acolhidos pelos representantes do Comité Francês da Liberacão Nacional  sediado em Alger. Finalmente fizemos uma boa refeicão num restaurante de Miranda e durante a noite partimos de comboio para Madrid, onde chegamos na manhã de 26 de Dezembro. Fomos conduzidos a um centro da Cruz-Vermelha, onde abandonamos as roupas que portavamos, sem jamais as poder ter trocado desde 4 de Outubro, data da nossa partida de Paris. Vestidos com roupas novas, barbeados,  banhados, e ainda bem alimentados, deram-nos um pouco de dinheiro espanhol, pedindo-nos para voltar à noite para  partir para Málaga. Eu fui ver Guy Lefort, aluno da Escola normal promovido em 1939, que era professor no Liceu Francês de Madrid. O senhor Carcopino, director da Escola Normal e o senhor Bruhat, director adjunto tinham feito nomear  vários alunos do Liceu Francês de Madrid, afim de evitar a sua requisição pelo S.T.O.. Naturalmente estes alunos tinham chegado a Madrid, em vagões-cama, munidos de um visa. O endereço de Lefort era um daqueles que eu tinha aprendido de cor. Ao acolher-me Lefort disse-me, parece-me com um certo orgulho, que ele e os seus colegas do Liceu Francês eram, eles também,  partidários de De Gaulle: como se eu lhe pergunta-se em que que isso consistia, ele respondeu-me que, devido a isso não era mais Pétain quem lhes pagava, mas De Gaulle! Eu felicitei-o por esse acto magnífico e disse-lhe que pela minha parte, depois de ter passado mais de dois meses nas prisões de Espanha, partia para juntar-me a Marrocos, para me alistar na Forca Aérea.

Deixamos Madrid em autocarro e viajamos toda a noite; os autocarros  pareciam-nos confortáveis, mas tudo nos parecia confortavel. Na madrugada, paramos  meia-hora em Granada, e depois chegamos a Málaga de manhã; era segunda-feira, 27 de Dezembro de 1943. Aí se encontravam  numerosos franceses, à volta de 1500, vindos sobretudo do campo de Miranda, mas também de algumas prisões e de alguns “balneários”, hotéis e pensões nas quais foram detidos cerca de 2000 franceses que se tinham declarado menores de 18 anos. Em Málaga, esperando a partida, fomos “alojados” nas arenas, onde tinha sido depositada palha para nos servir de matelas. Durante o dia, nós eramos livres.

De 21 de Outubro a 29 de Dezembro, seis combois de dois barcos deixaram a Espanha por Málaga, transportando à volta de 9000 evadidos de França. A 29 de Dezembro, os dois barcos: o Sidi Brahim e o Gouverneur Genéral Lépine, que tinham jà constituido os cinco comboios precedentes, encontravam-se no porto de Màlaga; Fontanet, Baylé e eu, assim como os 1500 franceses alojados nas arenas, ganhamos o porto. Subimos para os barcos. À tarde vimos afastarem-se as costas de Espanha. Partiamos para Marrocos! Na sexta-feira 31 de Dezembro de 1943, eu punha o pé sobre a terra de África, em Casablanca. A evasão de França, a viajem Paris-Casablanca, acabava de terminar; tinha durado 88 dias.



II. O alistamento na Força Aérea

5. Casablanca e Alger

Na sexta-feira 31 de Dezembro de 1943, todos os franceses que desembarcam em Casablanca dos dois barcos chegados de Màlaga são conduzidos a um campo de trânsito, para aí cumprirem numerosas formalidades. A primeira é o estabelecimento de um bilhete de identidade provisório fornecido segundo as declaracões do interessado. De seguida os oficiais interogam-nos demoradamente, sobre o nosso curriculum vitae, sobre os nossos estudos, sobre a nossa travessia dos Pirinéus e sobre a nossa estadia em Espanha. Eu soube assim que seria nomeado alferes a partir de 18 de Outubro, data da minha passagem da fronteira franco-espanhola. Todos os evadidos de França, alunos de quatro escolas militares: Escola Politécnica, Escola de Saint-Cyr, Escola Naval, Escola Aérea, ou alunos das cinco escolas civis seguintes: Escola Normal Superior, Escola de Minas de Paris, Escola de Ponts et Chaussées, Escola Central de Paris, Escola Colonial, são nomeados alferes nas mesmas condições.

Outros oficiais interrogam-nos sobre o que poderia ser interessante para os próximos combates em França; então indiquei o pouco que sabia sobre as instalações da praia de Lecques, assim como sobre as casas da beira-mar. De seguida assinei um compromisso, para a duração da guerra, nas Forças Aéreas. A partir desse momento, as rotas de Fontanet e Baylé separaram-se da minha. Fontanet tinha-se alistado na artilharia e Baylé nos carros. Os evadidos de França podiam escolher a armada na qual eles desejavam alistar-se. Em cada chegada de Espanha se encontravam falsos alsacianos, que de facto eram espiões alemães  enviados pela Wehrmacht; eles eram fuzilados. Na segunda-feira 4 de Janeiro de 1944, deixei o campo de trânsito indo para o depósito 209 em Casablanca. Neste depósito recebemos uma mochila militar muito completa e esperei que fosse enviado a Alger para verificação (no Jornal Oficial) da minha entrada na Escola normal e para a minha nomeação ao posto de alfere.

Durante esta estadia em Casablanca, fui ver André Moitessier, primo alemão de minha mãe; o seu endereço era ainda um daqueles que tinha aprendido de cor. Ele disse-me que Marcel Boiteux que era meu colega de promoção à Escola Normal tinha chegado a Casablanca  vindo de Gibraltar, hà alguns meses. Boiteux e eu eramos coturnos durante todo o ano universitário de 1942-1943 , e nenhum de nós os dois sabia que o outro se preparava a interromper os seus estudos para se alistar nas forças francesas  combatentes na África do Norte. Isto testemunha o segredo que devia rodear tais projectos. Boiteux tinha atrvessado a Espanha em apenas duas semanas sem ter sido preso pelos espanhoís. Ele deve ter realizado esta performance pelo facto de que ele tinha atravessado os Pirinéus escoltando os pilotos americanos caidos em França; estes pilotos, uma vez chegados a Espanha, contactaram a sua embaixada em Madrid; Franco não enviava os americanos para a prisão  e um membro da embaixada veio procurar os pilotos e também Boiteux e conduziu-os de seguida a Gibraltar. No depósito 209, travei conhecimento com Langlois-Berthelot, que tinha chegado de Espanha no mesmo comboio que eu e que, tendo sido recebido no concurso de entrada na Escola Politécnica em 1943, esperava, como eu, a partida para Alger. A sua estadia em Espanha tinha-se passado num dos “balneários”, porque ele tinha declarado ter 17 anos de idade; ele tinha sido melhor informado do que eu sobre as condições da travessia de Espanha. Finalmente Langlois-Berthelot e eu partimos para Alger, em comboio, instalados, mais confortavelmente, nos vagões do gado.

Uma armada imensa de soldados americanos, ingleses e franceses encontravam-se na África do Norte e o transporte colocava evidentemente numerosos problemas. Depois de vários dias e noites e de numerosas paragens, em particular em Oran que assim pudemos visitar, chegamos a Alger a 16 de Janeiro; aí juntamo-nos à base 320 à qual estavamos afectados e, depois de uma série de novas formalidades que nos permitiram em particular obter um bilhete de identidade definitivo, esperamos a nossa nomeação ao posto de alfere, nomeação feita a 3 de Março! Logo que chegamos a Alger fui ao escritório da Rádio-Alger para fazer enviar a mensagem seguinte “o focinho do tapir  esta  voltado para o céu”; tinha sido convencionado com os meus pais e alguns amigos que esta frase pronunciada na rádio de Alger seria o sinal da minha chegada à África do Norte; a frase não foi ouvida pelos meus pais, mas foi ouvida e reconhecida por amigos que logo os avisaram. Durante as seis semanas que passei em Alger, fui ver Georges Darmois, professor na Faculdade de ciências de Paris, que então se encontrava na Algéria; ele disse-me, entre outras coisas, que Yves Rocard, também professor na Faculdade de ciências de Paris, se encontrava igualmente na Algéria. Eu tinha seguido as aulas que ele dava aos alunos de ciências do primeiro ano na Escola Normal, e tinha passado, com ele, no mês de Julho uma das provas orais do certificado de Física Geral. O senhor Rocard tinha deixado a França em avião; era um especialista de  radiophares e os ingleses tinham enviado, para o trazer, um Lysander, que tinha aterrado, na noite de 13 a 14 de Setembro de 1943, num prado na região de Poitiers. Os Lysander eram pequenos aviões monomotores de quatro lugares: um piloto, um metralhador e dois passageiros. Os Lysander pousavam nos prados indicados pelos resistentes, nas noites de lua cheia ou nas noites próximas. Cerca de 640 pessoas deixaram assim a França para Inglaterra; este número deve ser comparado ao número de franceses que atravessaram os Pirinéus: 23000, e aos outros que fracassaram: 7000. A estes numeros é preciso acrescentar alguns milhares de estrangeiros.

Durante estas seis semanas, frequentei quase toda os os dias a biblioteca da Universidade de Alger. Eu queria naturalmente voltar à Escola Normal depois da guerra para aí terminar a escolaridade e então desejava  não esquecer as matemáticas que lá tinha começado a aprender. Na biblioteca, eu li e redigi a demonstração do teorema de Hadamard sobre a repartição dos números primeiros e comecei a estudar os números trancendentes. Também comprei em Alger uma das raras obras científicas que pude encontrar: os três volumes da Mecânica Celeste de Henri Poincaré. Em Alger visitei o meu tio Albert Fabry e a minha tia; eles moravam na rua Claude Bernard, numa casa de campo donde se tinha uma bela vista sobre  a cidade; eles foram muito acolhedores e, de tanto insistirem aí dormi. No principio do mês de Março, Langlois e eu recebemos as nomeações de alferes com distribuição do soldo correspondente e, a 3 de Março, retomamos o comboio para Casablanca, fazendo o trajecto, ainda longo, em vagão de passageiros. Chegados a Casablanca, fomos afectados ao Centro de Preparação do Pessoal Navegante, com uma vintena de jovens franceses alunos aspirantes; nós deviamos constituir a próxima promoção admitida a seguir um estágio de instrução para fazer parte do pessoal navegante da Força Aérea. Ficamos em Casablanca até 12 de Abril.



6. Marrakech

A 13 de Avril, todo os estagiários, dois alferes, Langlois e eu, mais uma vintena de alunos aspirantes, chegamos a Marrakech à Escola de Aplicacão do Pessoal Navegante. O comandante que dirigia a Escola achou anormal que Langlois e eu tenhamos sido nomeados alferes sem jamais termos sido soldados. Então ele disse-nos a Langlois e a mim, que nos alojariamos e tomariamos as refeições com os alunos aspirantes. Dormir num grande quarto com as camas sobrepostas não nos incomodava nada, mas para as refeições nós faziamos a fila com a nossa gamela, à frente dos soldados marroquinos que nos serviam. Estes soldados pareciam estupefactos de ver dois oficiais fazer a fila com os alunos aspirantes que eram ainda soldados; eles deviam perguntar-se se nós estavamos punidos, e Langlois e eu estavamos tão incomodados que ao fim de três dias tiramos as nossas divisas de alfere. Parecendo-me esta situação muito desagradável, propus a Langlois irmos explica-la ao comandante;  como ele recusou, eu fui sozinho e o comandante concordou que tinha cometido um erro e instalou-nos com os oficiais tanto para dormir como para tomar as refeições, que tomavamos então à mesa dos oficiais.

Na Escola de Marrakech, eu escolhi preparar o diploma de navegador. Para isso, nós seguimos aulas teóricas, que os nossos instrutores declaravam do nível da aula de Matemáticas Especiais, mas que eu achava mais do nível da segunda classe. Ao mesmo tempo efectuavamos voos ora como alunos de navegacão ora como passageiros, porque para obter o diploma de navegador era preciso ter efectuado 100 horas de voo. Os aviões nos quais voavamos eram os Leo 45, ou os Cessna. A vida na base aeréa era muito barata e 90% do nosso soldo constituia dinheiro de bolso. Também cada mês, depois de ter recebido o nosso solde, iamos em grupo tomar uma refeição ao hotel da Mamounia, que era um hotel luxuoso e de renome mundial; Churchill ia aí hospedar-se e descansar; as refeicões eram excelentes  e os preços em consequência. Um dia tive a ocasião de encontrar Fontanet e Baylé e ir passar com eles um dia a Mogador, que se tornou depois Essaouira; tinha partido sem autorizacão, que provavelmente não teria obtido, e soube quando voltei que eu estava inscrito nesse dia no quadro de voo e que a boa vontade dos meus colegas e a compreensão de um instructor me tinham evitado uma punicão. Cerca do fim do estágio, Langlois efectuava um voo como passageiro com um aluno piloto; este falhou a aterragem e morreu assim como Langlois. Com cinco outros amigos de Langlois levei o seu caixão ao cemitério de Marrakech. A 18 de Agosto o estágio terminou; eu terminei-o  em primeiro o que não era muito difícil, e recebi o diploma de navegador.

Era preciso em seguida fazer um estágio de especialização e eu escolhi os bombardeiros pesados, para os quais o estágio se efectuava na Grã-Bretanha. A 20 de Agosto, parti então, com os novos diplomados que tinham também escolhido os bombardeiros pesados, para o depósito de Baraki perto de Alger. Nesta cidade embarcamos a 7 de Setembro (1944) para a Inglaterra; navegamos em comboio e chegamos a Greenock, na Escossia, perto de Glasgow, a 14 de Setembro.



7. Grã-Bretanha

Passamos alguns dias perto de Londres num centro de trânsito chamado “Patriotic School”. Em Londres encontrei por acaso o piloto do general Leclerc que colocou nos correios no dia seguinte, em Paris, a primeira carta que eu podia escrever aos meus pais depois da minha partida de França. Ainda em Londres, a 25 de Setembro de 1944, tinha comprado um livro de matemática: “ Um Curso de Analíses Modernas”, de Whittaker e Watson; durante toda a minha estadia na Grã- Bretanha estudei, com muito cuidado, o conteúdo deste livro, sempre com vista ao meu regresso à Escola Normal. Igualmente durante a minha estadia na Grã-Bretanha, escrevi um artigo sobre a aplicacão das fracções contínuas à formacão de números transcendentes; tendo sido restabelecidas as relações entre a França e a Inglaterra, enviei este artigo ao meu pai que o submeteu à “Revue Scientifique”, na qual foi publicado.

Depois de Londres, fui enviado para um centro em Filey, e daí para Dumfries na Escossia para o “Advanced Training Unit” (Unidade de Treinamento Avançado), onde fiquei de 10 de Outubto até 4 de Dezembro. De seguida, fui mudado para Lossiemouth, ainda na Escossia, para o centro chamado “Operation Training Unit” (Unidade de Treinamento Operacional), onde fiquei de 2 de Janeiro de 1945 até 9 de Março. Neste centro, as tripulações estavam formadas e voavamos de noite em tripulação. Lossiemouth está situada a 58 graus de latitude norte e nós estavamos no Inverno; a noite começava  então muito cedo, o que era bem comódo para os voos de noite. Os navegadores voavam também como segundos navegadores com outras tripulações. Eu voava assim uma noite com uma tripulação inglesa quando, na aterragem, o comboio de aterragem se partiu e o avião se incendiou após o embate sobre a pista; todos os ingleses conseguiram sair um por um  pelas saídas de emergência, o que eu não consegui fazer, pois todas estavam cercadas pelas chamas; o avião, um Wellington, era formado por uma estrutura em alumínio rodeada de tela; rebentando a tela entre as hastes de alumínio e, como sou suficiente magro, pude sair também por entre as mesmas, e ouvir os membros ingleses da tripulação se perguntarem entre eles quem se tinha transformado no “navegador francês”; estavamos todos são e salvos, mas os nossos colegas vendo o avião a arder estavam persuadidos de que nós estavamos mortos.

A 9 de Março as tripulações de Lossiemouth foram enviadas para uma nova base para serem adaptadas ao voo nos Halifax, aviões nos os quais nós deviamos voar em operacões de guerra. A 5 de Maio de 1945, chegavamos ao grupo Guyenne, um de dois grupos de bombardeiros pesados das Forças francesas livres. Fomos acolhidos com muita ironia e nós, nós estavamos cheios de amargura por terminar assim uma aventura dífícil que tinha durado perto de dois anos. Três dias depois a Alemanha assina a capitulação sem condicões, e a guerra estava terminada.

Fizemos voos sobre a Alemanha, lançamos no Mar do Norte as bombas que se tornaram inutéis; a 18 de junho de 1945, a nossa tripulação participou no desfile dos Campos-Elísios. Partindo de Elvington, no Yorkshire, sobrevoamos os Campos-Elísios à hora dita e voltamos a aterrar em Elvington. No mês de Julho, eu fui afectado ao destacamento precursor, que devia preparar a instalação dos grupos de bombardeiros pesados Guyenne e Gascogne sobre a base de Mérignac, perto de Bordeaux; é desta base que, a 17 de Junho de 1940, o general De Gaulle viaja para Londres! De Bordeaux pude ir passar alguns dias a Paris para rever os meus pais, depois de 21 meses de ausência. Em Mérignac preparei o último certificado de Licenciatura que me faltava, o certificado de Mecânica Racional.

Enviado ao Centro de Reunião e Administracão do Pessoal em Paris, aí fui desmobilizado a 21 de Outubro, dois anos e três dias depois de ter atrvessado a fronteira franco-espanhola. A 24 de Outubro, com a aprovação no certificado de Mecânica Racional, terminei a minha Licenciatura e voltei à Escola Normal para aí fazer um segundo e último ano.


Traduzido por Patricia Senra